Lusófona Games Collection 2023: uma janela para o futuro dos videojogos em Portugal
O Central Comics experimentou quatro jogos incluídos na Lusófona Games Collection 2023, desenvolvidos por estudantes portugueses e disponíveis gratuitamente no Steam desde 9 de agosto.
Montra para a Licenciatura de Videojogos
A Licenciatura de Videojogos da Universidade Lusófona tem dado nas vistas ao longo dos últimos anos, desde obra científica publicada, passando por participações em competições internacionais, até ao que mais nos interessa enquanto gamers — formação de talentos com a capacidade de desenvolver videojogos de boa qualidade.
Com vista a demonstrar o trabalho realizado e a dar visibilidade aos autores em formação, a direção do curso decidiu reunir os melhores jogos criados por alunos nos últimos anos e lançar a Lusófona Games Collection 2023. Esta coleção é composta por quatro projetos, cada um desenvolvido por um ano diferente.
Nas palavras de Wilson Almeida, Game Designer e professor da Licenciatura de Videojogos da Universidade Lusófona, «Esta iniciativa surgiu com o intuito de promover e reconhecer o trabalho dos melhores alunos, através da publicação dos seus jogos numa plataforma de referência como o Steam. Além disso, pretendemos incentivar atuais e futuros alunos dando um claro sinal de que o esforço e o brio são recompensados. Esta seleção inclui jogos de todos os anos, representando os melhores e retirados de uma amostra de várias dezenas de projetos desenvolvidos».
Quando questionado acerca do que costuma reservar o futuro aos alumni do curso, Wilson referiu que «temos vários ex-alunos da licenciatura a trabalhar na indústria de videojogos. Mais recentemente, tivemos o caso de um aluno que, após terminar a licenciatura, integrou a equipa do novo Prince of Persia, da Ubisoft».
Não estando ainda em condições de prometer nada em concreto no que toca a edições futuras do mesmo género, o professor não hesita em deixar uma garantia: «Iremos continuar a apostar nas publicações no Steam e a dar destaque ao trabalho dos alunos para ajudá-los no seu percurso profissional».
Um futuro promissor
Não é a primeira vez que falamos de videojogos portugueses no Central Comics, e esta coleção vem reforçar a tendência aparentemente crescente de Portugal se destacar na maior das indústrias de entretenimento. Todos os jogos da coleção são encantadores nos seus géneros e conceitos, com uma qualidade que pouco fica a dever a grande parte dos jogos analisados por nós.
É interessante observar o salto qualitativo e em complexidade de ano para ano, com uma evolução clara a começar pelo minimalismo de Illuminants para terminar na deslumbrante aventura de Xisto, um jogo a que não hesitaria atribuir uma boa classificação.
Por falar em classificações… Não se tratando propriamente de jogos totalmente terminados e comercializados (se bem que alguns destes projetos continuam em desenvolvimento), não seria justo atribuir uma a estes títulos. Contudo, a verdade é que os projetos foram avaliados, de modo que vou escrever um pouco sobre cada um a partir de uma perspetiva não académica, mas sim de crítica de um simples consumidor.
Lusófona Games Collection 2023: Illuminants
Criado em 2018, pelos alunos de primeiro ano Diogo Martins, Francisco Freixo, Nuno Carriço e Rui Martins, Illuminants é um jogo de puzzle em que temos de controlar três personagens coloridos em simultâneo e encontrar o caminho até às suas metas através de vários labirintos.
Visualmente, o jogo é cru, com pouca profundidade artística, mas muito limpo. Porém, a escassez de imagem é compensada pelo som adequado ao contexto e, sobretudo, pela jogabilidade.
Illuminants é surpreendentemente divertido, com quebra-cabeças desafiadores, sem chegarem a ser frustrantes. A diversidade de níveis e mecânicas, como a combinação de cores para chegar a um objetivo, ou girar o labirinto, também me apanhou desprevenido, considerando que comecei a minha experiência com este jogo e esperava uma amostra muito superficial. Porém, encontrei um jogo divertido que proporciona bom entretenimento.
Lusófona Games Collection 2023: Near Side of Yonder
João Rebelo, Miguel Fernández, Rodrigo Pinheiro e Tomás Franco desenvolveram Near Side of Yonder, um jogo de exploração e aventura em que controlamos um ser com o objetivo de explorar a vastidão do universo. Durante o nosso percurso, podemos encontrar segredos há muito escondidos e até, quem sabe, criar o nosso próprio sistema solar.
O salto artístico do projeto acima, de alunos 1.º ano, para este, criado em 2020 por alunos do 2.º ano, é evidente. Se bem que os gráficos não sejam de ponta, a forma como o mundo foi criado e, em particular, o som que os acompanham proporcionam uma experiência muito agradável aos sentidos, que começa logo na criativa disposição do menu inicial. Porém, deparei-me com alguns problemas de otimização na forma de pequenas quebras de frames e engasgamentos na fluidez aqui e ali. A colisão também não é ideal, sendo que podemos atravessar cogumelos sem bloqueio, enquanto nos deparamos com rochas que ocupam bem mais espaço físico que visual.
Quanto à jogabilidade, também não fiquei fã dos controlos, com o FOV controlado por rato sem seguir os movimentos do teclado, tanto que uma simples tarefa de aterrar numa pequena lua se revelou incrivelmente difícil devido às limitações dos controlos. Mas as críticas menos positivas ficam-se por aqui. O conceito convenceu-me a 100% e a ideia de explorar segredos num universo aberto é muito apelativa, especialmente se inserida numa apresentação tão bonita como a de Near Side of Yonder.
Lusófona Games Collection 2023: Runewatch
Em 2022, os alunos de 3.º ano Gabriel Santos, Gonçalo Vila Verde, Pedro Bezerra e Pedro Marques apresentaram Runewatch, um FPS roguelite que nos faz vestir a pele de um Elementalist, uma espécie de feiticeiro capaz de controlar os elementos para desferir poderosos ataques. Com o derradeiro objetivo de deixarmos de ser aprendizes para nos tornarmos mestres nas artes mágicas, mergulhamos em catacumbas criadas através de geração procedimental para enfrentar vários monstros ferozes.
Aqui, o salto volta a ser evidente. A começar pelo princípio, as opções disponíveis no menu inicial estão ao nível de qualquer jogo comercializado, incluindo desde opções de controlos — como ajustar a sensibilidade do rato — até um Grimório pronto a ser recheado de criaturas infernais. Os gráficos e o som em si são simples, mas muito bem trabalhados e conseguem mergulhar-nos no universo proposto.
Não terminei Runewatch, mas transmitiu-me a sensação absoluta de estar perante um jogo terminado e pronto a ser distribuído, com um loop claro e muito bem conseguido na forma de uma árvore (círculo) de poderes a serem desbloqueados após cada ronda, fiel ao género roguelite. Na vertente FPS, a mecânica de gastar energia nos ataques principais funciona na perfeição para nos obrigar a diversificar a jogabilidade. O design dos níveis também é algo básico, mas não ao ponto de ser aborrecido. Deparei-me com o que penso ser um pequeno bug na IA dos inimigos, que deixam de interagir quando estão quase sem pontos de vida, mas pouco mais há de negativo a escrever além disto. Fosse Runewatch explorado comercialmente no estado em que está — a um preço convidativo — não vejo qualquer razão para não ter êxito.
Lusófona Games Collection 2023: Xisto
A joia da coroa da Lusófona Games Collection 2023! Xisto não é apenas um interessante projeto académico de 3.º ano levado a cabo por Afonso Lage, André Santos, Miguel Martinho e Nelson Milheiro. É um bom videojogo de aventura. Em Xisto, somos uma criança que visita Aldeias do Xisto de Góis para participar no tradicional Carnaval anual. Lá chegados, percebemos que precisamos de uma máscara de cortiça e que temos muito que explorar para aproveitar a festa ao máximo.
Em termos visuais, este é um jogo enganador que transmite uma primeira impressão de ser demasiado simples e geométrico, para logo nos puxar para dentro de um mundo incrivelmente atmosférico e vivo, com uma reprodução paisagística e culturalmente fiel às tradicionais aldeias de xisto portuguesas.
A jogabilidade é relativamente simples, sem grande destaque positivo ou negativo, mas a história é cativante e os diálogos estão muito bem escritos, repletos de humor e a dar alma aos personagens. Quanto às tarefas que nos vão sendo pedidas, não são suficientemente complexas para interromper o fluxo de jogo e quebrar a imersão — como amiúde me acontece com o género de aventura, em que tenho de parar para pensar em como resolver o próximo quebra-cabeça — mas são divertidas e bem conjugadas com a atmosfera de Xisto. Seria muito interessante ver este projeto saltar do meio académico para o comercial, onde seguramente teria grande êxito após o desenvolvimento de algumas dezenas de horas de conteúdo para o jogo.
Já vemos alguns nomes portugueses a dar cartas nos videojogos atualmente, mas com exemplos como os apresentados na Lusófona Games Collection 2023, estou confiante de que há muita coisa boa no horizonte para a indústria dos videojogos em Portugal.
A Lusófona Games Collection 2023 encontra-se disponível gratuitamente aqui (Steam).
Para terminar, fica a dica indispensável: nada como ver estudantes a superar profissionais para nos refrescar a perspetiva sobre o que consumimos.
Gamer inveterado que não dispensa uma boa série e nunca diz ‘não’ a uma sessão de cinema… Com pipocas, se faz favor!