Crítica: Amarrados (Never Let Go)
Amarrados (ou Never Let Go), dirigido pelo talentoso Alexandre Aja, é um thriller psicológico que transborda tensão, paranoia e aquela sensação de isolamento que lembra clássicos do género, como O Iluminado de Kubrick. O filme, ancorado por uma performance visceral de Halle Berry, explora o limite entre proteção materna e obsessão paranoica, criando um terreno fértil para o horror e a ambiguidade psicológica. É uma mistura eficaz entre o terror sobrenatural e o horror interno — algo que Aja já demonstrou dominar em filmes como Viagem Maldita (2006) e Crawl (2019).
A trama gira em torno de uma mãe (Berry) e dos seus filhos, que enfrentam uma ameaça sobrenatural fora de casa. Para proteger os meninos, a mãe adota medidas extremas, impedindo-os de sair de casa sem estarem amarrados a uma corda que, estando ligada à casa – que se encontra protegida por uma bênção do avô.
Esse vínculo, tanto literal quanto emocional, é a espinha dorsal do filme, funcionando quase como uma metáfora para os dilemas da maternidade num mundo cada vez mais descompensado. Aja consegue criar uma atmosfera sufocante, onde a casa — que deveria ser um refúgio — se transforma numa prisão psicológica.
Esse tipo de dualidade evoca referências culturais à tradição do “lar assombrado”, mas, em Amarrados, a ameaça externa é nebulosa e pode muito bem ser um reflexo da mente perturbada da protagonista.
É essa relação mãe-filhos e a profundidade emocional que Berry traz para a sua personagem que injeta um interesse particular neste filme, onde a atriz, vencedora do Óscar por Monster’s Ball – Depois do Ódio” (2002), explora os limites da sanidade e da desesperança maternal.
A dada altura, não sabemos se ela está realmente a proteger os filhos de um mal real ou se ela mesma se tornou a ameaça. Esse jogo psicológico remete-nos a filmes como “A Semente do Diabo”, onde o terror maior parece estar na mente da protagonista.
O argumento, escrito por Kevin Coughlin e Ryan Grassby, equilibra bem essa tensão entre o real e o imaginário, ainda que, no desfecho, a coisa resvale um pouco. Mas já lá vamos…
Em Amarrados, o espectador é atirado para uma espiral de incertezas que cativa e cria uma crescente vontade de encontrar respostas para as perguntas que o enredo vai gerado…
Maxime Alexandre, que já colaborou com Aja em Espelhos do Medo, assina a Fotografia do filme, sendo competente na capacidade transformar os espaços da casa num espelho dos seus residentes: algo gasto, opressivo, sem vida e cansado, enquanto que Aja demonstra habilidade para nos capitalizar a tensão e a sensação de vulnerabilidade que a história pedia, algo para o qual o trabalho dos produtores Shawn Levy (Stranger Things) e Dan Cohen não terá sido de somenos.
No entanto, se as dúvidas que o filme nos vai suscitando se traduzem, em boa parte do tempo, numa experiência angustiante (no bom sentido da coisa), por outro, dei comigo a suspirar um “ora, bolas”, quando vi determinadas coisas a acontecer de forma conveniente, pouco lógica ou até contraproducente com o desenvolvimento psicológico de um dos personagens.
É precisamente no alinhar dos pontos finais que – e apesar de, globalmente, entregar aquilo a que se propõe – Amarrados perde algum do seu potencial. O desfecho, embora satisfatório para quem procura uma conclusão mais óbvia, acaba por ser – lá está – previsível, perdendo a força psicológica que a narrativa tinha vindo a construir até então, especialmente quando algumas perguntas essenciais ficam sem resposta convincente. “Porquê ela?” ou “Porquê aquela família?”, “O que despoletou tudo aquilo?”.
É certo que, muitas vezes, as perguntas, num filme, não carecem de resposta. São o que são – gatilhos par uma narrativa maior. Mas, para as conseguirmos ignorar, talvez essa narrativa tenha que escolher de forma mais sábia o seu caminho, caso contrário, tornam-se apenas questões que parecem perder-se no vácuo do sobrenatural, descapitalizando a profundidade que a história inicialmente sugeria.
Mas voltemos, então, àquilo que, provavelmente, distingue de forma mais clara Amarrados de outras obras do género: o peso emocional que ele carrega. Berry mencionou em entrevistas que sua experiência como mãe influenciou profundamente sua interpretação — e isso fica evidente. O filme não é apenas um exercício de estilo ou tensão, mas uma exploração genuína do amor materno em seu estado mais primitivo e instintivo. Há algo quase mitológico nisso — pensemos na deusa Deméter, cujo amor pela filha Perséfone era tão intenso que ela estava disposta a desafiar o próprio Hades. Aqui, Berry faz o mesmo, desafiando tudo — inclusive a sanidade — para proteger seus filhos.
Mas onde há uma representação poderosa de uma mãe aflita, há também ótimas representações de filhos abalados e perdidos, pelos jovens atores Percy Daggs IV e Anthony B. Jenkins, que trazem uma autenticidade vulnerável às suas performances, cuja química é palpável, elevando o filme para além do susto fácil, criando um drama familiar que ganha a sua importância para lá do mal que os assola.
No geral, Amarrados não será o filme do ano, mas é certamente uma casa de suspense bem arquitetada. Começa com uma entrada imponente, cada divisão cheia de segredos, onde nos movemos cuidadosamente e com expectativa crescente. Os corredores estreitos deixam-nos desconfortáveis, as portas entreabertas prometem revelações sombrias, e o sótão — sempre o mais temido — carrega o peso da tensão máxima. No entanto, ao chegarmos lá em resposta à expectativa de maior choque, encontramos algo familiar, quase que esperado. Ainda assim, para os amantes de thrillers psicológicos, vale a pena explorar cada recanto — mesmo que a última divisão não seja tão surpreendente quanto o resto da casa sugeria.
Professor, editor e argumentista de BD e livros infantis, tem o sonho de escrever um filme onde pipocas se rebelam contra o público, exigindo melhores direitos de exibição e cenas com mais manteiga.
Olá, vi o filme ontem, bastante inquietante! Houve uma altura que queria sair da sala , tudo acontecer fora do esperado!!! Deu uma boa adrenalina. Gostei! Boa resenha a sua, pensei que tinha sido só eu que não percebi como aquela casa se tornou essa fortaleza e nem a história da protagonista que tem um passado que parece que causou aquela clausura. Será que vamos ter o 2?
Bons filmes